quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Bolívia - dos espanhóis até os indígenas

Em artigo publicado há algumas semanas atrás, cujo foco era a Espanha, dito foi que essa nação favoreceu-se diretamente da extração de metais preciosos na América Latina (séc. XVI e XVII) como basilar atividade econômica na manutenção de sua relevância econômica dentro do sistema mercantilista. Um dos locais explorados, isto a partir de 1532, é o que atualmente se conhece como a Bolívia. O sistema pré-colonização era de agricultura coletiva (ayllu) instaurado pelo Império Inca, o qual foi substituído pelo regime de “encomienda”, o qual previa trabalho em condições degradantes e com pagamento de tributos à Coroa Espanhola. Contudo, os grandes esforços eram verdadeiramente direcionados para a atividade extrativa (prata) nas minas de Potosí. Tudo isto regado a mão-de-obra indígena.

Após quase três séculos, em 1825, a independência finalmente foi alcançada. Porém, ao invés de ser um ponto de recomeço, o legado espanhol no que tange à distribuição de terra permaneceu, isto é, suas injustiças, e a única riqueza que o país possuía, as minas de prata, estavam exauridas. A esperança restabeleceu-se quando do início da mineração do estanho, a qual abriu caminho, por meio da via ferroviário-marítima, às primeiras relações da Bolívia com o exterior. Apesar da derrota para o Chile na Guerra do Pacífico (1879-80), na qual foram perdidos todos os territórios com acesso direto ao mar, o final do século XIX era prelúdio de dias melhores.

Com o advento da latinha à vácuo e o desenvolvimento da indústria automobilística, a demanda por estanho chegou ao seu apogeu, sendo que a Bolívia era o segundo maior produtor do metal até os anos 1930. O único porém era que a indústria estava nas mãos de quatro famílias, um oligopólio, o qual não era propriamente pró-social. A Grande Depressão causou efeito devastador no resultado exportador boliviano, pois houve desvalorização do estanho no mercado. Para completar este cenário, ocorre de 1932-35 a “Guerra do Chaco”, a qual se explica pela luta entre Bolívia e Paraguai pelo poder sobre um vasto território denominado lowlands (chaco), desejado por supostas reservas petrolíferas. É relevante destacar que este é o ponto de inversão de poder na história da Bolívia, visto que, por empregar a força indígena na batalha, desenvolvesse consciência na população pobre (de origem indígena) das riquezas inescrupulosamente exploradas pela população branca, européia.

De 1952, data da primeira revolução econômica, até 1990, marco da estabilização de um sistema capitalista medianamente equilibrado, muitas questões mudaram: I) a exploração de recursos naturais foi nacionalizada em duas entidades governamentais chamadas Comibol (minas de metais em geral) e YPFB (petróleo e gás); II) a reforma agrária foi feita, contudo afetando somente 49% da população, visto que os interesses dos antigos latifundiários não foram extintos totalmente; III) regulação do mercado de trabalho; IV) pactos com o FMI para a estabilização econômica, especialmente no controle da inflação. Estas iniciativas foram efetivas na atração de investimentos estrangeiros diretos (IED), reduzindo a pobreza, o desemprego e, por sua vez, possibilitando o aumento dos gastos sociais pelas vias da tributação.

Quando o novo milênio se iniciou, já havia a sensação de que algo aconteceria dentro da Bolívia, alguma mudança estrutural profunda. Alvino-Mario Fantini, jornalista e pesquisador boliviano para o Centro Hispano-Americano para a Pesquisa Econômica, redigiu um artigo lado Bolivia’s two futures (de tradução livre, Os dois futuros da Bolívia), explicando as duas escolhas que o país tinha no que tange ao seu desenvolvimento como nação: i) a de buscar o aprofundamento das reformas institucionais que tornariam a Bolívia um porto seguro para os investimentos estrangeiros e/ou ii) escolher pela manutenção dos problemas históricos na política, distúrbios sociais e um clima de incerteza. A segunda opção foi a escolhida pelo povo daquele país em 2005, com a posse de Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), o qual prometia uma reviravolta nas bases antigas da sociedade boliviana, segundo suas palavras, “refundar o país”. Para as más línguas, “re-afundar o país”.

Após a posse, Evo iniciou a sua cruzada contra a propriedade privada, afetando diretamente o Brasil pela re-nacionalização das atividades petrolíferas, além do mesmo procedimento em outros setores estratégicos como energia, saneamento básico, telefonia. No último documento Doing Business 2009, publicado pelo Banco Mundial, a posição do país é 150º, sendo que a atividade mais fácil de ser realizada por lá é fechar uma empresa, não abrir.

O último bastião a ser estraçalhado pelas garras do presidente era a Constituição, a qual foi significamente modificada pela nova Carta Magna proposta por Evo no final de janeiro. Vejamos algumas mudanças propostas:

1. O presidente deve saber o espanhol e mais um dos 36 dialetos indígenas. Além disso, similar aos governadores, terá direito a um segundo mandato. Como a oposição a Morales é primariamente composta de não-indígenas, trata-se de uma vantagem ao partido no poder atualmente. Ademais, uma discriminação lingüística.
2. A criação da justiça “comunitária”, fora da influência do atual sistema judiciário. Sua principal função seria a de resolução de problemas menores e centralizados nas comunidades. Claro que não foi definido claramente o que é local e o que não é, abrindo as portas para futuras discussões.
3. No que tange ao setor territorial, há propostas de restituição de terras aos grupos indígenas mediante limites expostos antes da chegada dos colonizadores e redução do tamanho da propriedade agrária a menos de 10000 hectares, “acabando com o maligno latifúndio”, segundo palavras de René Navarro, porta-voz de imprensa do governo.

O panorama da Bolívia para 2009 é de queda nos preços dos produtos básicos e manufaturados exportados, prejudicando as perspectivas já abatidas de crescimento. É crucial ressaltar que o país perdeu vantagens alfandegárias para com os Estados Unidos, por causa de sua insistência na produção da folha de coca, matéria-prima para várias drogas. Essa postura tem como conseqüência a perda de 6% das vendas externas na balança comercial. Caso o ideal pseudo-socialista prosseguir no país, o que é ameaça a qualquer investidor externo, pode-se esperar alta inflação pela falta de oferta (atualmente em 12%), problemas sociais, crise da infra-estrutura e novos empréstimos do FMI à vista.

2 comentários:

Anônimo disse...

Uma boa analise da historia da economica boliviana, hein. Muito bom, como era de se supor, nao sabia de metade disso..

hahaha

abraços

Pedro Henrique disse...

Texto bastante instrutivo, com toques pessoais quando se refere a Evo Morales. Gostei bastante. Apenas sou mais otimista quanto ao futuro da Bolívia, que apesar do arrefecimento dos investimentos estrangeiros devido à instabilidade e insegurança política e econômica, como bem traçado no texto, criou laços mais fortes com países latino-americanos (governantes ideologicamente parecidos) que podem auxiliar na manutenção econômica do país. Além disso, o gás natural tem sido grande fonte de recursos financeiros. Com o possível aumento da demanda de gás por Argentina e Brasil, após a atual crise econômica, bem como investimentos por parte da Petrobrás e da PDVSA, tendem, quem sabe, a “tranquilidade” econômica. O mesmo não pode ser dito quando se trata de política interna, luta pelo poder, divisão social, discussões sobre a nova carta magna... Apesar do apoio dado pelos países sul-americanos a Evo, recentement, o clima no país ainda se apresenta tenso, complicado e imprevisível. De qualquer forma, só o povo boliviano poderá escolher seu destino, que parece tão dividido entre índios e brancos. A nós, brasileiros, fica a pergunta de como será traçado o futuro da Bolívia. E como país irmão, espero eu que o Brasil possa auxiliá-lo, mesmo se mostrando rebelde algumas vezes.