sábado, 9 de agosto de 2008

Retomar a Rodada Doha?

Por Ederson Vieira Grandi

A teoria das vantagens comparativas advoga que se cada país se especializar em produzir e comercializar aqueles produtos em que possua vantagens comparativas. Alguns teoremas foram criados com base nesta teoria, como o Teorema de Heckscher-Ohlin; o de equalização dos preços dos fatores; o Stolper-Samuelson; e do de Rybczynski.

Interessa-nos o Teorema de Heckscher-Ohlin, que trabalha com hipótese da disponibilidade de fator de produção, sendo que o país escolherá se especializar no produto em que utilizar seu fator mais abundante. Isto se deve tanto a vantagens em termos de preços dos fatores, como a economias de escala[1]. A partir deste teorema, traça-se uma linha divisória, em que se advoga que os países em desenvolvimento se es pecializarão na produção agrícola ou de produtos primários, e os países desenvolvidos se especializarão na produção industrial. Mas um dos pressupostos deste teorema é o livre comércio. A partir deste, se torna realmente inviável economicamente aos países desenvolvidos investirem na agricultura (sem subsídios ou tarifas protecionistas), bem como aos países em desenvolvimento se industrializarem.

Após a rodada de Cancun[2], criou-se o G-20, que é uma colisão de países em desenvolvimento, cujos membros mais influentes são Brasil, Índia, China e África do Sul. O Brasil assumiu o compromisso de uma posição de liderança nas negociações da Rodada de Doha, em favor do G-20. Porém ao aceitar as atuais propostas da Rodada, está indo contra os interesses deste grupo, bem como do Mercosul, ameaçando uma possível crise política nas já tão abaladas relações econômicas.

Quais os impactos ao G-20 em retirar a proteção de sua indústria, em troca de melhores condições para a exportação agrícola aos países desenvolvidos?
  • Primeiro, produtos agrícolas possuem menor valor agregado que bens industrializados. No longo prazo haverá maiores d eteriorações nos termos de intercambio e problemas de desequilíbrios externos nos países em desenvolvimento;
  • Segundo, quem se beneficiaria disto seriam os grandes produtores, da indústria agroexportadora. Este pode ser um interesse do Brasil, mas muitos dos países do G-20 (como a Índia, que são um mercado importador de alimentos - e não exportador, países africanos, etc) são formados por pequenas propriedades agrícolas, que estariam em desvantagem com as grandes propriedades exportadoras;
  • Terceiro, o agronegócio favorece a monocultura, em detrimento da biodiversidade, além do uso de agrotóxicos, desmatamentos, etc, tendo importantes impactos ambientais;
  • Quarto, dentro do G-20, mais de 60% dos trabalhadores estão concentrados na indústria, e teriam seus empregos ameaçados. Isto porque os países desenvolvidos p ossuem algumas vantagens, como economias de escala que tornam seus produtos mais baratos e fazem com que indústrias nos países em desenvolvimento sejam economicamente inviáveis, sem proteções.

E quanto ao Mercosul?

  • Os países em desenvolvimento possuem uma tarifa média praticada sobre produtos não agrícolas (NAMA) de 3% contra 14% dos países em desenvolvimento. A proposta dos países desenvolvidos era de uma redução dos 14% a um patamar de, em torno, 4%. Este patamar é muito abaixo da média da tarifa externa comum (TEC) praticada pelos membros do Mercosul;
  • Outra proposta de redução, já pré-aprovada é a fórmula Suíça. A redução nas alíquotas de ambos seria de aproximadamente 30%. Porém, 30% sobre 3% geram um impacto, mas sobre 14%, é outro bem maior. Para o Brasil, significaria um corte de mais de 4.000 das TEC do Mercosul. Um acordo comercial é como um casamento: não se podem tomar posições sem o consentimento do cônjuge, sob pena de um futuro divórcio!

Ademais, na Rodada de Doha, apenas as negociações quanto aos NAMA (Mercados Não-Agrícolas). As negociações dos agrícolas estavam indo de marcha lenta, com propostas de redução tarifária menos pesada que a dos NAMA, mesmo assim contestados pelos EUA e EU.

Negociações com participações restritas a poucos países e exigências sem reciprocidades marcaram a Rodada de Doha, iniciada em 2001. Mas as vantagens brasileiras não parecem tão atraentes ao custo de sofrer uma desindustrialização, principalmente em um momento em que as industrias do país sofrem com um câmbio apreciado e pesada carga tributária.

E em vez do Presidente Lula estar falando em acordos bilaterais e multilaterai s, a fim de auxiliar uma melhora no quantum de exportações[3], está falando em retomar a Rodada de Doha. Se estiveres preparado para sacrificar a indústria nacional, para o desgaste político do Mercosul e a perda da "popularidade Lula" junto ao resto do mundo, vá em frente, Sr. Presidente!

[1] Economias de escala são um fenômeno econômico, no qual, dado o nível de técnica de uma industria, aumentos nos níveis de produção fazem se reduzir os custos médios (custos totais divididos pela quantidade peoduzida).
[2] Uma das rodadas de negociações da Rodada de Doha.
[3] Índice que mede a exportação em termos de quantidades e que não apresentou crescimento nos últimos anos.

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