terça-feira, 8 de julho de 2008

Metas de inflação, SELIC e ineficiência

A partir de junho de 1999 o Banco Central do Brasil (BC) adotou o regime de metas para a inflação, o qual prega que o BC deverá conduzir a política monetária de forma a cumprir a meta de inflação determinada pelo CMN para os dois anos subseqüentes. O regime consta na lei segundo Decreto 3.088 de 21/06/1999, surgindo como substituto direto da política de câmbio fixo, quando o mesmo se tornou flutuante. Cabe aqui salientar a opinião de Ernane Galvêas, na Síntese de Conjuntura, publicada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio): “a estória da meta de inflação é ficção pura. Não é uma fórmula, não é uma equação, não tem metodologia. É apenas um desejo anunciado [...] tem algum efeito psicológico [...] Mas é só.” (1)

Operação do Regime de Metas

Após reuniões mensais em que se define da taxa de juros Selic, o BC divulga ata contendo a análise de conjuntura e a justificativa da decisão. A decisão do rumo da SELIC é tomada sob os auspícios de três variáveis chaves:
  1. Expectativa de inflação do mercado. A evolução da expectativa de inflação (do ano corrente, ano posterior e 12 meses) do mercado (consumidores, trabalhadores, produtores) exerce papel fundamental na condução da política econômica do Brasil, visto que decisões de investimento, consumo, reajuste de preços e salários, entre outras, são freqüentemente tomadas com vistas à evolução futura da inflação. O grande gargalo desse aspecto é confiar cegamente em expectativas mercadológicas , o qual tem grande dificuldade de prever níveis de inflação em ambiente de grandes choques de preços como ocorre nesse momento em âmbito global. Logo, atribuir carga tão importante a esse indicador é um risco gravíssimo nas possibilidades de expansão de crescimento econômico. Tanto que, a título de curiosidade, o Banco Central da Nova Zelândia, o primeiro a adotar o regime de metas, informa: “os indicadores de expectativa de inflação não são acurados enquanto preditores do nível de inflação, embora possam ser úteis para análises de curto prazo”.

  2. Hiato do Produto. O BC acompanha o ritmo de crescimento do produto efetivo e o compara com o que seria o produto potencial (máximo que a economia pode produzir sem gerar pressão inflacionária). Isto quer dizer que, quando há aproximação dos dois indicadores, é sinal de que ocorre descompasso na relação entre demanda e oferta. Cabe ressaltar que o aparelhamento utilizado na projeção do produto potencial é feita através de modelos econômicos (com suas simplificações e hipóteses), os quais, por exemplo, negligenciam a possibilidade do aumento da produtividade sem a ampliação da capacidade produtiva - isto é, capacidade ociosa do empreendimento, horas extras e investimentos pontuais não existem na teoria.

  3. Por último, mas não menos importante, existe o risco dos “choques de preços”, geralmente associados a crises nas quais se assiste a um súbito aumento da incerteza e da aversão ao risco, com impacto imediato no câmbio (2).

Risco inflacionário e a política do BC na prática

A inflação é um fenômeno complexo (3). Um dos principais culpados pela inflação atual é o gasto público: custeio com salários e as históricas indexações (contratos, Previdência, serviços públicos), além das vinculações constitucionais que se constituem um problema macro e micro. No âmbito macro, prejudicam o ajuste fiscal. Por outro lado, na questão micro, geram ineficiências alocativas de recursos escassos. Não se pode negar que ela é na verdade uma “reserva de mercado” dentro do orçamento para alguns setores de Estado, herança da constituição de 1988 e sua preocupação com a “carência de recursos”. Constata-se que se quer um regime democrático efetivo, o qual deveria se preocupar com a qualidade do serviço público disponível à população e não com a quantidade de recursos despejados nos córregos setoriais. Em verdade, não se acredita no perfil democrático como diretriz de alocação dos recursos públicos.

Na década de 50, o M1 – meio de pagamento tradicional – representava 60% do PIB, sendo que hoje está com presença menor do que 6%. O que aumentou, então, foi a velocidade de circulação da moeda, o que acaba por desmentir, em parte, os estudos de Friedman, Fisher e companhia. Como o BC adere a essa linha de pensamento monetarista, no mínimo, deveria controlar o que ficou conhecido como agregados econômicos (M1-M2-M3-M4), entretanto, não é o que se percebe segundo os dados abaixo do ano de 2007:

  • Volume de M1 aumentou em 23,2%, o M2 em 18,1% e M4 em 20,9%.
  • A expansão do crédito (empréstimos financeiros) atingiu 27,8% comparado com a inflação de 4,5% medida pelo IBGE.

Aumentando a taxa de juro (SELIC), a qual determina a remuneração dos Fundos de renda fixa, logicamente, o BC induz algumas pessoas a trocar parte do seu consumo presente pelos rendimentos estáveis de poupança. A única questão é que os bancos re-emprestam esses Fundos, o que significa: o nível de liquidez geral não se altera consideravelmente. Assim, com o aumento da SELIC, aumentamos o já caótico déficit orçamentário e a dívida pública.

Agora, após a concessão de investment grade por parte da S&P e a Fitch, podemos esperar que vá ocorrer a enxurrada de hot money em direção aos nossos títulos públicos (carry-trade), enquanto o BC continuará com a compra de reservas cambiais, aplicando-as em investimentos de baixo retorno, enquanto paga taxas salgadas aos investidores internacionais, sedentos de um upgrade nos seus portfólios.

Fontes para Pesquisa:

(1) Para ler a Carta de Conjuntura da CNC, notar:

http://www.portaldocomercio.org.br/media/Sintese15062008.pdf

(2) Pesquisa da FIESP sobre as metas de inflação e sua relação com o câmbio, notar:

http://www.fiesp.com.br/economia/pdf/regime_metas_infla%C3%A7ao.pdf

(3) Para os tipos de inflação e os produtos que estão sofrendo com o aumento generalizado dos preços, acesse, respectivamente:

http://www.economiabr.net/economia/4_inflacao.html

http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowEspeciais!destaque.action?destaque.idEspeciais=667

Outros arquivos que falham da ineficiência dos Bancos Centrais aqui no blog:

http://economiapratica.blogspot.com/2008/04/nighmares-of-central-banker-pesadelos.html

2 comentários:

Servo disse...

A ineficiencia de uma política monetária restritiva, no atual contexto inflacionário brasileiro tem origem em dois aspectos importantes que são: a característica da inflação e a característica dos títulos ustilizados para a realização desta política.

Primeiro: a inflação brasileira é do lado da oferta. Abaixo do produto potencial, políticas monetárias restritivas tendem a dificultar o crédito. Para o empresário, isto significa menores vendas ( o consumidor não encontra crédito barato e facilitado) e maiores dificuldades em investimentos. Quanto aos investimentos, se dá pela inviabilização economica dos mesmos (TIR dos projetos abaixo da taxa de juros do empréstimo são, na verdade prejuízos eminentes) e pelo fato de o empresário não poder repassar este juro mais alto aos preços, sob pena de perder mais mercado, já que os consumidores estão "deixando de consumir" por causa das altas taxas.
Enfim, o empresário deixará de investir, por não poder aumentar os preços e se autofinanciar. Os preços não cairão no princípio, mas apenas não serão reajustados. Os investimentos caindo, decrescem o emprego, fazendo decair ainda mais o consumo. Mais tarde, quando a economia se aquecer, o emresário tenta´ra recuperar o lucro que deixou de auferir no passado recente, repassando o custo do crédito ao consumidor final. Agora, se não houver esta queda na demanda por consumo (o que acontece apenas quando a taxa básica de juros atinge o gatílho de mais de 20% ao ano), o empresário ao invés de não reajustar os preços, passará ao consumidor qualquer aumento de custo que tiver (taxas de juros banárias constituem-se em custo ao empresário).
Segundo: os títulos públicos de curto prazo são preferíveis aos de longo prazo (resultado do imediatismo nato brasileiro, iniciado desde o período inflacionário das décadas de 1970). Estes títulos são, devido ao prazo de vencimento, quase moeda, principalmente pelo fato de possírem um grande mercado secundário. A troca de títulos por moeda quase não altera a situação de liquidez da economis. Agora, um agravante: grande parte destes títulos são não apenas remunerados pela taxa SELIC, como também reajustados diariamente pela variação da mesma, que necessita ser aumentada toda vez que se queira para viabilizar a troca de moeda pelos títulos. Resultado: quando se aumenta a taxa SELIC, se aumenta a riqueza dos que detem os títulos, e sendo estes como "quase-moeda", a liquidez da economia cresce em vez de diminuir.

Assim, o aumento da taxa de juros para conter a inflação tem dois efeitos, que se não tiverem efeito imediato, o terãqo num curto espaço de tempo: o aumento da liquidez e o aumento dos preços.

Renato Couto disse...

Pelos idos de 79 e 80, quando o Sr. Ernane Gouvêas fez parte da administração pública, seja como presidente do Banco Central ou Ministro da Fazenda, o governo vivia "pré-fixando" a inflação, o texto do mesmo, agora anos depois é ótimo, pois parece que ele aprendeu a lição, mas seria mais honesto um "mea-culpa"