quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Global Risks 2008 - abordagem do Fórum Econômico Mundial


Comprovada foi a postura multifacetada do Fórum Econômico Mundial, em Davos, no final de janeiro do presente ano, o qual explorou até as dimensões do amor entre grupos étnicos, seguindo o lema: "comprometido com a melhoria do estado do mundo", do inglês Committed to improving the state of the world. Entretanto, afora as incursões na beleza do maior dos mandamentos, as discussões principais do evento tiveram como cerne os quatro tópicos subseqüentes: i) risco financeiro sistêmico; ii) segurança alimentar; iii) logística e distribuição e iv) energia. Abaixo, encetamos a reflexão sobre os aspectos supracitados.
Não é de se surpreender que a primeira preocupação centrou-se na questão do risco financeiro, posto que o crescimento registrado na última década (anos 90, acompanhado de estabilidade e melhor distribuição de renda) é fruto da evolução da esfera financeira ao redor do globo. Ele ocorre, conforme definido no documento Global Risks 2008*, quando há uma queda brusca no valor das ações (perda de liquidez), além de volatilidade extrema e contágio rápido por meio das ramificações do mercado como um todo, reduzindo as oportunidades de crédito para a atividade econômica. A evolução dos instrumentos financeiros em vista das necessidades variadas de alavancagem pelo poder público (títulos da dívida) e privado (ações e debêntures) é tonitruante e de difícil controle; ademais, surgem novos players dispostos a conceder capital (Hedge Funds, Private Equity e Sovereign Wealth Funds), normalmente, de forma especulativa – seja no curto ou no longo prazo. Nos últimos vinte anos, o mercado financeiro sofreu uma revolução, destacadas em tópicos sucintos, conforme abaixo, impondo-se como fator de influência marcante na economia real:
  1. Desregulação;
  2. Inovação Financeira;
  3. Alternativas de fontes de capital;
  4. Convergência de serviços financeiros;
  5. Entrada de entidades não bancárias e intermediárias (no atacado e varejo);
  6. Regime multipolar de moedas.

No que tange à questão alimentar, a preocupação dirige-se ao fato de que os preços registrados no ano de 2007 foram recordes - cerca de 50% maior do que em 2006 – causando diversos eventos de instabilidade política ao redor do globo, a saber: no México e na Itália, respectivamente, em março e setembro, tanto quanto a manutenção da política de subsídios, a qual compromete o andamento da Rodada Doha e é motivo de contendas mil no âmbito da OMC. Contudo, o objetivo principal é a obtenção da segurança alimentar, descrita pela FAO (em tradução livre, Organização para Agricultura e Alimentação) como "o momento quando todas as pessoas, a qualquer hora, dispõem de acesso físico e econômico (capacidade de pagar) a um alimento nutritivo, seguro e suficiente para alcançar suas necessidades diárias". Mas quem são os responsáveis pela não obtenção desse intento? Em parte, o uso crescente das oleaginosas na produção de biocombustíveis (cerca de 30% do milho, até 2010, nos EU, será destinado a essa atividade, para se exemplificar) e, outrossim, as modificações já prementes do aquecimento global (no ciclo das chuvas e na ocorrência de eventos climáticos), o que pode reduzir a capacidade produtiva da África e Ásia em porcentagem correspondente a 40%.

A globalização econômica transforma as estruturas operacionais de governos e indústrias, sendo que a combinação alocativa de recursos escassos com melhorias na tecnologia e logística global, além da redução das barreiras comerciais, conduziu a um crescimento maior do comércio global em cotejamento com o PIB nos últimos 20 anos. Há de se esperar uma fragmentação incisiva na localização dos fornecedores, obrigando a um comprometimento multilateral no desenvolvimento de políticas organizacionais, impedindo que eventos isolados (como a variação de preços nos semicondutores advindos de Taiwan quando de um terremoto) causem contágio para outras instâncias da cadeia de negócios. Segundo pesquisa da Marsh Inc, empresa de consultoria, com 62 empresas com base na Ásia, foi constatada que somente 21% delas possuem um plano de contingência contra desastres naturais e ataques terroristas. Isso indica claramente que a bonança global está sustentada em pilares inseguros (tanto a estrutura financeira securitizada como também a logística ainda disforme dentre os componentes do comércio internacional).

O aumento do preço de petróleo a um nível não registrado desde a década de 80 (ajustado pela inflação) mostra que, além da influência ainda onipotente da OPEP, a variação da oferta não é idêntica a da demanda, isto é, os investimentos atuais dispensados não cobrem as necessidades do ainda pujente crescimento econômico mundial. Há estimativas de que o valor a ser depreendido pelas empresas petrolíferas na manutenção e aumento de capacidade produtiva (100 milhões de barris por dia, em um período de 30 anos) é de 11.6 trilhões de dólares. No entanto, a demanda será de 116 milhões em 2037, o que gera preocupação latente. No que tange a outras energias, temos o carvão (que é altamente poluente mas de viabilidade econômica, com diversas reservas), o gás (fator de intensas disputas políticas, a saber: distribuição do gás na Europa, pela Rússia, e centralidade de reservas em países do Oriente, como Kuwait e Irã, ou a energia nuclear, que ainda resvala nos problemas de alocação de dejetos, medo de catástrofes com a de Chernobyl ou mesmo da construção de novas ogivas nucleares, mesmo sendo limpa na questão da emissão de carbono.

Afora uma pequena dose de realismo (com queda pessimista) abordado do relatório, a consciência de que os procedimentos empreeendidos tanto no âmbito privado e público não serem suficientes para dirimir os riscos gerais a que os indivíduos são expostos é fundamental na caminhada para uma estrutura globalizante de cunho igualitário e desenvolvimentista. Todos os aspectos supracitados são relevantes para a intenção maior do crescimento econômico não restrito a índices brutos, mas o marcado na face das pessoas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente a explanação a cerca do Fórum Econômico Mundial. Os tópicos mencionados do Fórum 2008 deixam claro as preocupações que vem ameaçando as estabilidades econômica e política (ou até geopolítica), no mundo.
A questão energética a tempos vem permenado o debate econômico, mas muito mais com conseqüências (ou causas advindas - dado a interdependência entre as duas áreas), na política global (guerras, discussões em organismos internacionais, retaliações, etc). Contudo, toda crise gera oportunidades e os frenqüentes aumentos de preços do petróleo, além de pressionarem os preços de forma geral, acabam por viabilizar (financeiramente), formas de energia alternativas (gás, heólica, biocombustível, etc), de modo que um país (ou empresa) possa assumir essa postura pró-ativa de geração de energia alternativa com uma margem maior para operar seus custos iniciais de implementação.
A Petrobrás tem dado uma atenção especial em biocombustível, os EUA têm procurado tecnologia para substituir sua matriz energética. Países europeus disputam reservas energéticas de gás natural. Todos esses movimentos tendem a ser precificados pelos seus respectivos agentes o que poderá trazer pressão inflacionária de forma generalizada na economia global. Isso não seria problemático se não estivéssemos sob ameaça de recessão, o que poderá transformar-se numa "estagflação", como se viu no início dos anos 80.
Até antes do pânico recessivo nos EUA, as atas do Fed demonstravam o medo das pressões inflacionárias advindas da energia e dos alimentos, tanto que quando esses setores eram excluídos do índice, ou seja, o núcleo da inflação americana, não apresentava preocupação. Isso fez com que o Fed mantivessse os juros em patamares elevados por um bom período de tempo, aguardando que esses setores se estabilizassem, o que não ocorreu e provocou uma mudança de rumos na política monetária americana, pondo em cheque as teorias em prol das Metas Inflacionárias e da Independência dos Bancos Centrais (dado a necessidade de ajuda da política fiscal para amenizar os problemas recessivos).
Outras duas questôes mais técnicas surgem a partir da crise energética mundial: a necessidade de gestão de recursos eficiente e eficaz, todo desperdício num cenários de encarecimento, tende a ser penalizado; o equilíbrio ecológico, quando a preocupação com o aquecimento global são constantes na mídia e nas ações empresarias (onda verde), vide constantes pressões sobre a China por utilizar uma base energética altamente poluente (carvão).
Parabéns pelo artigo!
Mauricio Felippi - felippi.mau@gmail.com