Como base de informação, trago aos leitores a tradução exclusiva do texto "Nightmares of a central banker", de autoria do Pós-Doutor Antony P. Mueller, podendo ser acessado no original em http://www.mises.org/story/2462.
Desde o início, o banco central moderno passou por diversos modelos e tem adaptado paradigmas opostos ao longo do curso de sua história. O Sistema da Reserva Federal iniciou suas operações em 1914 e ficou pronto a dispor as condições monetárias para o financiamento da entrada dos Estados Unidos na 1ª Guerra Mundial.
Da mesma forma, o FED liberou munição monetária para que o seu governo lutasse na Segunda Guerra Mundial e em outros tantos conflitos militares que se seguiram. Na Europa, como conseqüência do início da 1ª Guerra Mundial, houve o abandono do padrão-ouro e a transformação dos BCs em ferramentas de governo.
Em meados de 1920, o BC americano adotou a proposta de Irving Fisher no sentido de utilizar o índice de preços ao consumidor como um guia para a política monetária, conduzindo a economia a um inicial boom econômico insustentável e, após, a uma Grande Depressão. Na Europa, o Deutsche Reichsbank ¹ produziu hiperinflação, e no Reino Unido, o Banco da Inglaterra trabalhou vergonhosamente. Já na década de 1930, a supremacia política sobre bancos centrais estava completa. Independente do nível de socialismo, nacionalismo, e totalitarismo, a politização do dinheiro e dos BCs abarcou-os de Moscou a Berlim e de Paris a Washington e Tóquio. Planejamento central e intervencionismo tinham ganho o dia.
Após a 2ª Guerra Mundial, houve um período no qual o chamado Sistema de Bretton Woods foi firmemente aplicado e se esperava que a pedra filosofal para a estabilidade monetária tivesse sido achada. Com a estabilização do liame entre o dólar americano ao ouro, afirmado por um sistema de taxa de câmbio fixo, onde existia um mecanismo que tornava o ajuste flexível ao dólar para as moedas dos países membros (e entre os mesmos), sendo que o Sistema de Bretton Woods refletia a estrutura do poder político no tempo em que os Estados Unidos estavam no centro, circundados pelas nações “satélites”.
Na década de 1960, o Keynesianismo tornou-se a doutrina dominante dos bancos centrais. As taxas de juros tinham de ser baixas, dizia o mantra, com o intuito de estimular investimentos e crescimento econômico. Conseqüentemente, o governo norte-americano ignorou as suas obrigações de limitar a emissão de dólares ao tamanho do seu estoque de ouro, não freando a expansão da oferta de moeda. Essa política resultou primeiramente em uma década de inflação e de estagflação posteriormente.
Na Alemanha Ocidental, o apenas fundado Bundesbank (originalmente Bank deutscher Länder) tomou posse em Frankfurt e não na capital, sinalizando uma simbólica independência da política. A lei que criou o novo banco central alemão obrigava-o a perseguir “estabilidade do nível de preços”. No final dos anos 1960 e durante a década de 1970, inflação e então estagflação abateram a Alemanha e outras nações européias também. Uma razão para o fato era a existência do sistema monetário internacional, o qual obrigava os países-membros a estabilizar as suas taxas de câmbio em relação ao dólar.
Enquanto as bases do sistema (Bretton Woods) foram descartadas com a expansão da oferta de dólares, o Bundesbank e outros bancos centrais tornaram-se compradores de última instância para a enfraquecida “verdinha”. O mundo experimentou aumento maciço na liquidez originada do dólar americano que se espalhou a outras moedas. Quando os bancos centrais na Europa e no Japão adquiriram dólares em “troca” pelas suas próprias moedas com o intuito de estabilizar a taxa de câmbio, eles automaticamente expandiram sua base monetária. O efeito monetário de expansão foi de curto prazo, seguido de estagflação nos anos 1970.
A experiência da estagflação levou a uma reviravolta em política monetária no final dos anos 1970, quando o banco central americano embarcou no experimento monetarista. Agora, a oferta de moeda tornara-se a palavra mágica e a mais importante linha-mestra. Nos anos 1980, as taxas de inflação de preços iniciaram uma queda. Contudo, isso aconteceu mais por acidente do que modelo, porque com a aurora do experimento monetarista, a velocidade da circulação do dinheiro – que tinha sido estável por décadas – diminuiu seu ritmo.
Sem querer, a política monetária moderadamente restritiva que foi colocada em prática tornou-se drasticamente contráctil. Em um fato irônico, o principal dogma do monetarismo – que a velocidade do dinheiro iria ser estável ou quase estável – não mais se aplicava. Isso aconteceu no exato momento em que o monetarismo foi adotado como o novo credo. A recessão do início dos 80 removeu as expectativas inflacionárias. Isso não foi baseado no modelo, mas em um erro de política monetária – um erro, entretanto, com resultados positivos.
Com Alan Greenspan (presidente da Agência Governamental Central do Sistema da Reserva Federal de 1987 a 2006), o banco central norte-americano abandonou o monetarismo e abraçou a nova moda: a economia do lado da oferta. Greenspan gostava de verificar o nível de crescimento da produtividade como uma diretriz, enquanto a oferta de moeda se tornava menos interessante. Sua doutrina dizia que o banco central podia generosamente expandir a base monetária e ter política de baixas taxas de juros no momento em que a produtividade da economia estivesse subindo. Esse pensamento deu as bases para o grande boom das ações dos anos 1990. O presidente do FED tornou-se adorado em Wall Street, seu guru e oráculo, e a confiável última instância (salvação) dos mercados financeiros.
Na Ásia, entretanto, o banco central japonês produziu, primeiramente, um insustentável boom econômico nos anos 80, e instigou a ruína de 1989-1990, e tem tentado desesperadamente reerguer a economia desde então. Nos anos 1980, o banco central japonês não viu como necessário o controle do intenso mercado acionário e de construção civil, visto que o índice de preços estava relativamente estável, e o Japão parecia estar no caminho de ser tornar “número um”. Ele aumentou sua base monetária nos anos 80, e depois da quebradeira, baixou as taxas de juros à quase zero. Enquanto a recuperação esperada não aconteceu, BC japonês involuntariamente deu condições para uma bonança dos especuladores financeiros, que praticam o carry-trade² com o yen através da tomada de empréstimo a taxas de juros baixas no Japão e emprestando a taxas de juros altas no exterior.
Na Europa, uma moeda comum foi introduzida em 1999 e os estatutos para o estabelecimento do Banco Central Europeu (BCE) clamam por uma prioridade direta de “estabilidade de preços” como diretriz de política monetária. A sede do BCE é em Frankfurt, quase eqüidistante a Bruxelas, onde o ramo executivo da União Européia é localizado, e Estrasburgo, onde o Parlamento Europeu é sediado, portanto simbolizando a idéia que o BCE deveria ser completamente autônomo e livre de influência política.
A autonomia do BCE tem status quase-constitucional dentro do Sistema Legal Europeu. Há de ser visto o que vai acontecer quando desafios mais sérios surgirem no ambiente europeu. Ao invés de arriscar a saída de um estado membro em problemas financeiros, o BCE provavelmente agirá conforme qualquer outro banco central e aumentará a oferta de moeda, de acordo com o dito: “depois de mim, a enchente”. Como agora, ele está ainda se esforçando com a questão dos indicadores a serem usados como diretrizes com o propósito de alcançar a meta de inflação de menos de 2%.
Nos Estados Unidos, Ben Bernanke tem sido o presidente da Agência Governamental Central do Sistema da Reserva Federal desde o princípio de 2006. Ele também adere à idéia da meta de inflação, mesmo que o banco central norte-americano não é explícito sobre qual a taxa de inflação deveria ser a sua meta (teoricamente medida pelo índice de preços ao consumidor)
O conceito de meta de inflação não é novo, tendo suas origens na teoria monetária de Irving Fisher. Por seguir esse conceito de política monetária, o banco central norte-americano criou um boom no final dos anos 1920 e, conseqüentemente, uma grande quebra. Contudo, essa teoria está agora experimentando uma nova vida na Europa e nos Estados Unidos. Ele sofre de um problema fundamental: um índice de preços válido não existe. Não existe algo como uma cesta representativa de bens e serviços. A idéia de Fisher já era problemática na mais simplória economia de 1920; hoje em dia, é deveras obsoleta para estabelecer um índice que deve ser representativo de uma economia diversa e complexa como a que existe hoje. Na verdade, cada indivíduo tem a sua cesta específica de bens e serviços, e a sua composição irá mudar ao longo do tempo.
Embora um índice de preços válido e uniforme não possa ser construído, os bancos centrais usam esse indicador como diretriz para formular a política monetária que afeta toda a economia. Irving Fisher está de volta, em posição central, na pessoa de Ben Bernanke, o qual vende o conceito de metas de inflação como algo aparentemente novo, quando, de fato, é uma releitura da teoria de Fisher – a qual é completamente desacreditada pelos fatos da história e da teoria econômica da Escola Austríaca.
A lista dos fatos relacionados aos bancos centrais é sombria. Servindo como “máquina de liquidez” para os mercados financeiros e como confiável financiador do Estado, os bancos centrais modernos, por natureza de sua origem e existência não controlam os booms (mesmo podendo) e não prevêem recessões ou depressões (as quais eles desejariam, no entanto, não podem). A política monetária sofre das mesmas faltas que qualquer outra política econômica centralizadora e outras formas de intervencionismo, falhando repetidamente.
Quão mais complexas e diversas as economias são, mais informações devem ser compactadas, até um nível que elas perdem o seu significado e se tornam inúteis, pelo melhor, e enganosas, pelo pior, como ferramentas de informação para tomada de decisões. Para política monetária, a qual age como uma agência de planejamento central no que diz respeito à oferta de moeda e taxa de juros, a qualidade da informação que o banco central utiliza está rapidamente se deteriorando. Agregados e médias como o PIB, nível de inflação ou crescimento de produtividade, ou talvez outros indicadores econômicos que são tão populares hoje em dia com os banqueiros centrais, a imprensa financeira e os estudos econométricos, escondem mais do que revelam, sendo freqüentemente enganosos para a análise econômica e tomada de decisões.
Posto que não existam relações quantitativas constantes entre as variáveis, os banqueiros não possuem nenhuma diretriz confiável para calibrar as medidas de política monetária. Não é possível saber por certo como os impulsos monetários afetam a atividade econômica, os preços ao consumidor ou como eles vão modificar o investimento, ou ainda, o preço das ações. Como o mecanismo de transmissão monetária tem trabalhado, pode ser sabido somente de forma retrospectiva, e os resultados são válidos somente para um período específico de tempo.
Pesquisa nesse sentido é bobagem. Os resultados não dão certeza sobre como o mecanismo de transmissão irá trabalhar no futuro. O impulso monetário advindo da base de moeda pode se transformar em vários níveis de forças dependendo do multiplicador monetário e da velocidade da circulação, e daquilo pode afetar em diferentes modos os componentes da economia real. Tudo depende da ação humana individual; e sobre as expectativas humanas, planos, ações mudam com o passar do tempo, amiúde, drasticamente.
Agregados estatísticos, por si próprios, não causam nada à economia. O que está sendo mensurado pelos agregados e medianas são os efeitos da ação humana e não as causas. Não existe caminho para saber ex ante se uma medida específica de política monetária afetará primeiramente o nível de preços das mercadorias finais; o mercado de ações; ou conduz a mais investimento interno, ou a importações. Os banqueiros não sabem se as mudanças de oferta de moeda e da taxa de juros irão causar mudança na demanda de crédito para investimento ou para o consumo público e privado.
Os banqueiros centrais descrevem suas atividades como “mais arte do que ciência”, a qual identifica o reconhecimento de sua ignorância. A “arte dos bancos centrais” é a arte de fingir saber o que ninguém sabe. Não é ciência, nem arte. Na melhor das hipóteses é alquimia; na pior delas, uma gigante bobagem.
Quando o sistema econômico cresce em complexidade e diversidade, o planejamento central e o intervencionismo tornam-se exponencialmente ineficientes, e a necessidade alcança mais coordenadas descentralizadas. Economias modernas, e em particular, modernos mercados financeiros, ficaram abstrusos. A política monetária não pode ser melhorada por mais pesquisa e pessoas. O que é necessário é diferente: um sistema monetário que possa trabalhar sem ter um órgão ativo.
¹ Banco central alemão do ano de 1875 até período curto após o final da Segunda Guerra Mundial
² Operação em que você obtém um empréstimo em moeda com taxas de juros baixas de curto prazo e investe em operações de longo prazo, ganhando a diferença, normalmente, em mercados futuros
Antony P. Mueller é professor de economia na Escola de Negócios da UCS (Universidade de Caxias do Sul) no Brasil. Ele é doutor adjunto do Instituto Ludwig Von Mises e presidente e fundador do Instituto Continental Economics.
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domingo, 6 de abril de 2008
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